Arquivo da tag: Linguagem Digital

Lançamento do livro Autoria em Rede, dia 19/08

Depois de quatro anos de pesquisa e mais alguns meses de edição, atualização e revisão, acaba de sair do forno o meu livro “Autoria em Rede: os novos processos autorais através das redes eletrônicas”, pela Editora Mauad X.

Convido todos para o lançamento na próxima terça-feira, dia 19 de agosto, a partir das 19h30, na Blooks Livraria, Praia de Botafogo, 316, Rio de Janeiro.

AUTORIA-EM-REDE-CONVITE

Segue um breve resumo:

As atuais publicações eletrônicas podem ser produzidas por uma multidão de pessoas, dispersas pelos mais diversos cantos do planeta. Mais que isso, em muitos casos, seu processo criativo conta com a participação de robôs e algoritmos. Este livro busca iluminar esse fenômeno recente através da perspectiva histórica. Para isso, faz um percurso pelos diferentes modelos autorais da cultura ocidental, desde a Antiguidade até os tempos atuais, a fim de identificar suas inflexões e apontar suas perspectivas futuras. Ao lado da pesquisa histórica, explora também a especificidade da linguagem digital, que proporciona os atributos da conectividade e interatividade, tão essenciais para a produção colaborativa em rede e aborda ainda, os desafios trazidos pelo novo modelo autoral, que envolve o amplo compartilhamento de dados, abalando profundamente as normas vigentes de propriedade intelectual. Por último, alguns estudos de caso, entre eles a Wikipédia, servem de complemento às pontuações teóricas.

Quem estiver pelo Rio, apareça!

O livro está à venda também pela Internet, nas grandes livrarias ou pelo site da Mauad X Editora.

2 Comentários

Arquivado em Autoria Colaborativa, Cibercultura, Commons, História da autoria, Linguagem Digital

O equívoco da Folha em restringir os comentários

A Folha de São Paulo acaba de tomar a decisão controversa de restringir os comentários na versão on-line do jornal. O resumo é: “Quer dar sua opinião à vontade? Então, pague.” Quer dizer, só os assinantes do jornal é que poderão comentar à vontade. Os eventuais visitantes podem comentar, mas seus comentários terão que passar por aprovação.

Leia a coluna de Suzana Singer, ombudsman da Folha, sobre a decisão.

Quem me chamou a atenção pra isso foi o Carlos Nepomuceno, que postou a discussão no Facebook e também escreveu no seu blog

Mais uma vez, vemos a dificuldade de empresas de comunicação (como o caso do Instagram, que abordei recentemente) em lidar com a produção em rede.

Suzana Singer argumenta que a decisão foi necessária porque no modelo antigo era impossível gerenciar a qualidade do conteúdo e controlar o que ia ao ar.

Esse é o maior equívoco: pretender controlar de modo unilateral a comunicação, pois na rede seu modus operandi é a interação. Quem lê quer também opinar, dialogar, debater. O que faz com o que mude significativamente o papel do jornal: não é mais somente uma publicação que divulga notícias, mas passa a ser um espaço público de discussão sobre os temas em pauta. E que tem que lidar de forma positiva com a produção dos leitores. Isto é, incorporá-los em sua dinâmica editorial.

Claro que há também muito ruído na comunicação em rede, como os trolls que só querem atrapalhar a discussão. Mas dá para filtrar, criar um ranking de acordo com a relevância, para dar mais qualidade ao conteúdo. E a melhor maneira de fazer isso é com a colaboração dos leitores.

Em minhas pesquisas de mestrado e doutorado, eu me dediquei também aos estudos empíricos de modelos de validação distribuída em interfaces colaborativas. Investiguei como foram criadas na prática soluções para qualificar grande quantidade de conteúdo de forma coletiva e distribuída.

Minha dissertação é sobre o Slashdot, que já foi definido como o avô dos blogs. Criado em 1997 por hackers e para a comunidade hacker, funciona como um fórum de discussão que recebe em cada tópico centenas de comentários.

Com tantas intervenções, não daria para uma pequena equipe dar conta de moderá-las. Por isso, eles criaram um sistema muito inteligente de moderação distribuída que destaca as mais interessantes e esconde os trolls. Tem um resumo do meu estudo neste artigo e o estudo completo na dissertação. Ou você pode visitar o Slashdot e conferir diretamente.

Outros sites se inspiraram nesse sistema pioneiro e criaram instrumentos para deixar que o próprio público avalie os comentários. As soluções encontradas são diversas como a do Huffington Post, que tem um sistema de moderação formada pela equipe da publicação e por colaboradores da comunidade de leitores. Vale conferir.

Já o inglês The Guardian, um dos jornais que melhor entende a lógica da Internet (chega a chamar os leitores para participar da apuração de uma notícia), tem uma interface pobre para os comentários, mas permite que sejam recomendados por outros leitores – o que acaba criando um índice de relevância que destaca o mais interessante.

Esse tipo de avaliação distribuída está presente em um sem número de iniciativas na rede. No Mercado Livre, por exemplo, você sabe que um vendedor é confiável pelas avaliações de outros compradores. Ou o aplicativo Taxibeat, um serviço de táxi no qual, da mesma forma, cada motorista tem um índice de acordo com a avaliação dos passageiros.

A ponto-chave é: a rede é interativa e distribuída, e a melhor forma de estar nela é incorporando essa dinâmica, em diálogo com seu público. Para quem não entender isso, a tendência é perder público e relevância.

Deixe um comentário

Arquivado em Jornalismo online, Linguagem Digital, Validação

Do códice ao tablet

Um dos temas que pesquisei na minha tese foi o da linguagem digital. Estudei especialmente o que diferencia este meio como uma tecnologia de suporte ao texto, tendo em vista sua influência ou determinação no surgimento de novas formas de autoria.

Um dos assuntos transversais a essa discussão é o do desenvolvimento de e-books, ou livros eletrônicos, e o que isso traz de mudanças para as práticas de escrita e de leitura.

Alguns dados mostram a relevância dessa questão. Por exemplo, hoje o consumo de livros nos Estados Unidos é predominantemente através do uso de tablets e e-readers. Ao lado disso, milhões de livros estão disponíveis para leitura on-line, como os do Google Book Search.

Por isso, é muito bom saber do lançamento do projeto Transcrever, da produtora Mosaico, que pretende abordar os vários aspectos envolvidos na transposição do texto do meio impresso para o digital:

“Transcrever é um documentário que tem o objetivo de mapear territórios de passagens do ambiente do impresso para o universo dos tablets. Por meio de vídeos e entrevistas pretende-se documentar e refletir sobre esse momento de justaposições de formatos e plataformas. Além disso, o site do projeto busca expor os pensamentos dos entrevistados e suas relações com a tecnologia e o livro digital.”

Uma iniciativa louvável e importante que merece ser acompanhada de perto.

Conheça o site do projeto.

Assista ao teaser do documentário, que traz bem no início uma interessante citação da professora Lucia Santaella:

“Umberto Eco diz que há dois suportes eternos, porque são perfeitos: a cadeira e o livro impresso”.

Será mesmo?

Deixe um comentário

Arquivado em Escrita Digital, Linguagem Digital

Pensando a autoria ciborgue

Um dos temas que abordo na minha tese é o da participação de softwares em processos autorais. Já tratei deste tema em outros posts, como você pode conferir aqui e aqui. Este tópico se tornou relevante na minha pesquisa especialmente porque na Wikipédia, um dos meus objetos de estudo, nada menos do que 22,4% das edições dos verbetes são feitas por robôs. Daí vem à tona a questão: afinal, os computadores podem ser considerados autores?

Esse fenômeno, que tenho chamado de autoria maquínica, está cada vez mais presente em diversas áreas. Recentemente o jornal O Globo publicou um artigo de Pedro Doria, comentando a crescente participação de softwares no jornalismo. Como exemplo, é citado o caso do Los Angeles Times, que vem automatizando a escrita de matérias com o uso de um programa que extrai informações sobre crimes através de planilhas fornecidas pela polícia de acordo com alguns critérios de análise, e com base nisso redige textos de notícias. Depois de mencionar mais alguns casos de escrita automática em publicações jornalísticas, o artigo conclui que a atuação do software é limitada, não substitui o jornalista pois não é original ou capaz de construir argumentos instigantes, mas pode ajudar a escrever alguns trechos do conteúdo. Mesmo assim, admite, é uma novidade que causa desconforto…

Leia o artigo do Globo, Jornalismo em software, aqui.

É provável que esse desconforto se relacione com o fato de que temos a escrita, assim como a autoria, como algo de natureza subjetiva e acima de tudo essencialmente humana, uma noção herdada do Romantismo. E a máquina, por outro lado, é vista como exatamente o oposto desta natureza, algo vazio de uma interioridade, portanto, incapaz de criar.

É interessante pontuar que a própria escrita, uma primeira tecnologia da linguagem e prótese de memória, foi alvo de fortes objeções em seus primórdios. Sócrates percebia a escrita como uma grande perda em relação ao discurso oral, mais apropriado para manter o pensamento vivo. Além disso, denunciava a ameaça que essa tecnologia representava para a manutenção das funções da memória, que ficaria subutilizada e perderia sua potência na medida em que os registros fossem transferidos para o papel. Estas críticas são bastante semelhantes às feitas atualmente ao uso do computador.

Pode-se argumentar que o que é concebido como artificial muda com o passar do tempo e, deste modo, a tecnologia passa a ser vista como algo natural. Assim, num primeiro momento, a escrita foi encarada como um elemento estranho ao processo intelectual humano, capaz de prejudicá-lo ou limitá-lo. Hoje o computador ocupa esse lugar de questionamento, como um agente estranho que se interpõe entre o homem e sua criação, tornando-a menor. De fato, a produção partilhada homem-máquina coloca em questão o lugar anteriormente estabelecido do autor.

Mas, se paramos para observar com cuidado a forma como se dá esse processo autoral que inclui o agente maquínico, constatamos a existência de uma simbiose entre a atuação humana e a atuação do software. Num primeiro momento, é o autor humano que imagina um contexto e estabelece a arquitetura do projeto e as funções do programa. Numa segunda etapa, o computador entra com suas características operacionais – alta capacidade de processamento, velocidade e precisão – capazes de dar outra dimensão ao processo criativo porque torna possível a articulação de grande número de informações com rapidez e exatidão.

Para pensar esse processo autoral compartilhado entre o homem e o computador é preciso,antes de tudo, abandonar qualquer concepção do processo autoral como algo de natureza individual ou pessoal. Mais correto seria encarar cada agente autoral, ser humano ou máquina, como uma posição em um sistema de comunicação, em uma ação criativa que se dá em uma complexa interação humano cibernética. Como propõe Espen J. Asrseth, estamos diante de uma autoria ciborgue.

4 Comentários

Arquivado em Autoria Colaborativa, Autoria maquínica, Linguagem Digital, Wikipédia

De volta…

Estou de volta ao Rio de Janeiro, finalmente. Foi muito bom fazer o estágio em Portugal, tanto do ponto de vista da pesquisa quanto da experiência pessoal. Mas nada como retornar pra casa…

É muito interessante entrar em contato com outro grupo de pesquisa, especialmente no estrangeiro, e conhecer um ponto de vista diferente sobre seu tema de pesquisa. Por outro lado, é fascinante se inserir durante algum tempo em uma outra cultura – por mais similar que seja, como no caso da portuguesa – e experimentar novos modos de viver. Por tudo isso, sem dúvida alguma, recomendo a todos a vivência do estágio sanduíche.

E, assim que cheguei, já voltei também ao trabalho. Na semana passada estive em São Paulo para participar do I Congresso Mundial de Comunicação Ibero-Americana, na ECA/USP, onde apresentei o trabalho Escrita digital – Uma exploração de sua constituição e genealogia, na Sessão Temática de Cibercultura. Você pode conferir os slides da apresentação abaixo:

Em breve, o artigo completo deve estar disponível no site do Confibercom.

Nos próximos dias vou postar novas contribuições que tenho recebido, com mais algumas reflexões sobre os processos autorais em rede.

3 Comentários

Arquivado em Autoria maquínica, Escrita Digital, História da autoria, Linguagem Digital, Tese

Linguagem digital e automação

Um dos tópicos que estou estudando atualmente é a característica autômata do meio digital. Como pesquiso a autoria em rede, este é um dos elementos que não posso deixar de considerar já que ele está presente nas mais simples operações da escrita eletrônica. Agora mesmo, enquanto digito este texto, o programa não para de me apresentar opções de palavras para eu escrever, numa espécie de interação autoral entre mim e a máquina.

Para começar a entrar no tema, encontrei referências no trabalho do pesquisador russo Lev Manovich. O pensamento dele é bastante interessante porque também está ancorado na ideia de que que a linguagem das mídias é formada a partir da herança de traços de mídias anteriores. E eu já vinha trabalhando com essa noção, a partir do conceito de remediação de Jay Bolter e Richard Grusin, como já postei aqui.

Ele argumenta que no processo de desenvolvimento das novas interfaces culturais são empregados elementos de linguagens já conhecidas, o que faz parte do processo de apropriação das novas linguagens através do reconhecimento de traços de sua estrutura. Assim cita, por exemplo, como a interface da página, uma superfície retangular com uma quantidade limitada de informação, tem sido a referência cultural de leitura há séculos, desde o códice até as telas eletrônicas. Em suas palavras, “as novas mídias podem ser compreendidas como o mix de antigas convenções culturais de representação, acesso e manipulação de dados e convenções mais recentes de representação, acesso e manipulação de dados”.

Em sua análise sobre os princípios das novas mídias, identifica cinco tendências gerais que marcariam a passagem para a cultura digital, que são: representação numérica; modularidade; automação, variabilidade e transcodificação. Me deterei na análise das três primeiras, que se relacionam mais diretamente com minha pesquisa sobre autoria colaborativa em meio digital, já que a possibilidade da participação da máquina no processo de produção textual, sem dúvida, desestabiliza de vez a noção que temos de autoria como algo individual e até mesmo humano.

O princípio de representação numérica constitui a base da linguagem digital. Para o computador, todo o tipo de informação, sejam textos ou imagens, é um código digital, uma composição binária de 0 e 1. Este primeiro princípio permite a existência do segundo: a modularidade, chamada de estrutura fractal da mídia, isto é, a manutenção da mesma estrutura em diferentes escalas do objeto, sejam elas caracteres, pixels ou scripts, que continuam a manter sua identidade no todo e nas partes. Esta segunda propriedade das mídias digitais permite também a variada combinação de elementos que permanecem independentes, podendo ser alterados enquanto tal. Um exemplo é a própria página web, composta de diversos elementos – textos, imagens, vídeos, animações etc. – articuladas de forma modular. Estas duas tendências conferem uma grande maleabilidade a todo dado digital, seja uma foto ou um poema, que pode receber intervenções amplas ou pontuais, das mais diferentes naturezas – cor, brilho, resolução, entre outras, em uma imagem; tamanho, estrutura, movimento, entre outras, no texto.

Uma das possibilidades abertas pelos dois primeiros princípios é a da terceira tendência – a automação, que representa a intervenção direta e autônoma do computador na produção em meio digital. Um exemplo é a atuação dos chamados bots no processos editoriais da Wikipédia. Atualmente eles são responsáveis por significativa parte das edições da publicação, variando de 10%, na versão japonesa da enciclopédia a 30%, na francesa. Sabemos que há atualmente na versão em língua inglesa da enciclopédia nada menos do que 685 programas robôs em ação e 180 na versão lusófona. Suas tarefas são de natureza mecânica com duas funções básicas: editorial, isto é, apagar ou criar páginas, conferir interlinks etc; e de vigilância, ou seja, detectar, apagar e denunciar a ação de spam e de vandalismo. Pode-se analisar esses dados entendendo a atuação dos robôs como um tipo de prótese cognitiva/operacional, capaz de reconhecer erros e de consertá-los.

Isso faz pensar no papel da máquina no processo autoral. Ou, em outras palavras, é possível conceder o status de autor ao computador? Este tema, sem dúvida, rende uma longa discussão que vou deixar para outro post.

3 Comentários

Arquivado em Autoria maquínica, Escrita Digital, Linguagem Digital

De malas prontas, rumo ao Porto

Estou terminando as providências para embarcar rumo à cidade do Porto, em Portugal, onde vou fazer um Estágio de Doutorando na Universidade Fernando Pessoa, de março até o final de junho.

Meu orientador será o professor Rui Torres, pesquisador da linguagem da hipermídia e autor de obras de escrita digital criativa, como o “Poemário, a sua máquina de sonhar”, que já citei em outro post. Mais sobre o seu trabalho em Telepoesis.net.

Lá pretendo desenvolver o capítulo de minha tese mais ligado ao estudo da linguagem hipertextual. Especialmente quero pensar o papel das interfaces e dos softwares na geração de textos na Internet.

Se a possibilidade de cooperação interativa das tecnologias digitais desloca a noção que se tem sobre a autoria como algo individual, a participação do computador na criação de um discurso desestabiliza de vez essa noção porque coloca em cena um novo agente autoral: a própria máquina.

Como entender isso? Como pensar teoricamente a autoria maquínica? Em que medida a plataforma computacional pode determinar um discurso? É possível encontrar filiações históricas que permitam considerar essa escrita generativa como remediação de práticas de escrita anteriores? Estas são algumas questões que planejo explorar por lá.

Talvez eu demore um pouco mais do que de costume para atualizar o blog, pelo menos enquanto ainda estiver me instalando. Mas tão logo eu possa, voltarei a postar e a compartilhar minhas reflexões sobre os temas relacionados a minha pesquisa.

Até breve!

PS – Quem tiver boas dicas de Portugal, por favor compartilhe!

11 Comentários

Arquivado em Autoria maquínica, Linguagem Digital

A escrita em meio digital

Uma das vertentes de minha pesquisa é o estudo sobre a especificidade da linguagem digital. Tenho buscado compreender o que diferencia o meio digital das outras plataformas que o precederam, especialmente em relação à escrita. Meu objetivo é entender o que realmente há de novo nesse meio para fugir de uma leitura muito deslumbrada do fenômeno. A história da escrita é muita antiga e variada, é interessante estudá-la para poder perceber o que de fato existe de inovador nos tempos atuais.

Um conceito que tem me ajudado muito nesse caminho é o de remediação, proposto pelos pesquisadores Jay Bolter e Richard Grusin. A ideia básica é que um novo meio não é criado a partir do nada, mas sim a partir de referências das linguagens das mídias que existiam antes. Então, dentro dessa lógica, cada novo espaço de escrita é uma remodelagem de seus antecessores. E o que realmente há de novo em cada um é a maneira única com que reinventa, ou dá nova forma, a uma mediação anterior.

É muito interessante, por exemplo, observar os manuscritos da era medieval. A interatividade, algo muitas vezes descrito como uma grande novidade da escrita digital, já estava presente nas marginálias, que nada mais eram do que comentários acrescentados ao texto original que iam se somando ao longo dos anos. Já comentei aqui em outro post que naquela época a produção textual tinha um caráter também colaborativo, pois era feita por diferentes agentes: o copista, o compilador, o comentador e o autor.

Depois veio o livro impresso e com ele toda uma outra prática social em torno da escrita e da leitura, marcada por um maior fechamento e individualização. O texto se tornou mais fechado em um duplo sentido: por um lado, passa a ter um autor individual identificado; por outro, não está aberto para acréscimos ou comentários. Paralelamente, a prática da leitura também se individualizou: as leituras públicas da era medieval foram pouco a pouco sendo substituídas pela leitura silenciosa e solitária na chamada Alta Idade Média. Desse modo, a separação entre autor e leitor se tornou mais nítida na medida em que o texto se fechou a interferências.

Observamos que a tecnologia eletrônica irá combinar as peculiaridades do manuscrito, como a interatividade e a produção coletiva, com as do texto impresso, como a leitura individual silenciosa. Soma ainda alguns traços da cultura oral (que desenvolvo depois em outro post), como o processo cognitivo comum.

Mas, então, o que a escrita em meio digital traz de novo? Para o pesquisador canadense De Kerckhove, a característica que distingue a interface digital é a conectividade, que está diretamente relacionada a outro atributo: a eletricidade. Por meio dela a mente humana é impulsionada para outra dimensão perceptiva e cognitiva, que diz respeito não só à velocidade, mas especialmente à abrangência das interações, favorecendo sobremaneira as estratégias colaborativas, notadamente em processos autorais.

Nesse ambiente, surge um novo tipo de espaço, que interliga de modo original o espaço público e o espaço privado, como um espaço estendido e coletivo que abre novos potenciais à criação. Podemos pensá-lo como um espaço híbrido, feito da interconexão entre o mundo material e o virtual. Assim, sozinho na frente da tela do computador, tem-se acesso a uma memória comum e a possibilidade de interagir com ela. O hipertexto promove, dessa forma, uma cognição compartilhada.

A eletricidade, portanto, é traço específico do meio digital que dá outra dimensão aos atributos que ele herda, ou remodela, dos outros meios. A interatividade e a produção coletiva ganham uma amplitude inédita e a capacidade de armazenamento de dados, ou a memória, passa a ser virtualmente infinita. Ao lado disso, a velocidade tecnológica possibilita conexões cada vez mais amplas e mais rápidas, multiplicando geometricamente o potencial cognitivo e criativo.

O post já ficou grande, e eu poderia escrever muito mais sobre a linguagem digital. Então vou parar por aqui, e volto ao tema em outro dia.

6 Comentários

Arquivado em Escrita Digital, Linguagem Digital, Remediação