Arquivo do mês: março 2016

Internet.org x neutralidade da rede

Mês passado, tivemos uma boa notícia em defesa da neutralidade da rede: a Índia proibiu o funcionamento do projeto Internet.org do Facebook, também conhecido como Free Basics, que representa uma das maiores ameaças à isonomia de tratamento aos diferentes pacotes de dados que circulam pela rede.

Como se sabe, há vários tipos de dados em circulação na Internet – correio eletrônico, voz sobre IP, streaming de vídeo e áudio, redes p2p, os mais diferentes sites e plataformas etc. Garantir a neutralidade da rede é tratar todo o tráfego da mesma maneira a fim de que cada bit tenha o mesmo peso e prioridade.

Assim, é possível acessar todo tipo de site, alternativos e independentes ou comerciais e corporativos, com a mesma facilidade. Mais ainda, qualquer um com conhecimento técnico pode criar novos serviços, projetos ou aplicativos com os mais variados objetivos. Tem sido assim desde a invenção da rede de redes e exatamente por isso ela é tão rica e diversa.

Mark Zuckerberg, fundador e CEO do Facebook, alega que seu objetivo é conectar comunidades carentes em nível global. No entanto, na expressão que já ficou famosa, é uma conexão dentro de “jardins murados”, pois a proposta é oferecer acesso gratuito a alguns poucos sites e aplicativos, como o próprio Facebook e o Messenger, entre outros. Qualquer coisa fora desse pacote é paga.

A consequência nefasta disso é que para milhões de pessoas no mundo todo a Internet estaria limitada basicamente a alguns sites e serviços apenas, desconectada desse grande hipertexto mundial e suas inúmeras possibilidades. Além disso, seria muito mais difícil o surgimento de novas plataformas para concorrer com as atuais.

É importante lembrar que o próprio Facebook, por exemplo, criado num alojamento universitário, desbancou o Orkut e o Myspace, redes sociais desenvolvidas por grandes empresas, Google e Windows respectivamente. Pense em quantos novos serviços e aplicativos foram criados, vamos dizer, nos últimos cinco anos e puderam vingar porque estavam disponíveis em pé de igualdade com outros já estabelecidos e, assim, ganharam público. É fácil imaginar, portanto, o que perderemos se Zuckerberg conseguir emplacar seu projeto em escala mundial.

Mais do que conectar pessoas, a proposta de Zuckerberg visa aumentar sua base de dados, a matéria prima de seu negócio, e consequentemente sua receita. Em 2015, a rede social teve um faturamento de quase U$ 18 bilhões e vale hoje cerca de U$ 290 bilhões. Com o Internet.org o objetivo não revelado é avançar sobre as populações mais pobres e multiplicar seu lucro, em detrimento do acesso à informação e da própria Internet livre.

Em abril de 2015, Zuckerberg esteve com a presidente Dilma, na Cúpula das Américas, e saiu com a promessa da implantação do Internet.org no Brasil em junho do mesmo ano. A ideia era fazer um projeto piloto na comunidade de Heliópolis, em São Paulo, com cerca de 200 mil pessoas. Felizmente, o assunto foi primeiro para a análise do Ministério Público Federal, que soltou uma nota técnica, em novembro, contrária à proposta por desrespeitar o Marco Civil da Internet, que prevê a neutralidade da rede no país, e violar a liberdade de acesso à informação.

No entanto, infelizmente, o parecer do MPF não impede que o projeto de implantação do Internet. org no Brasil siga adiante. Ele deve passar pela avaliação de outros órgãos competentes, como a Anatel, o Comitê Gestor da Internet e o Ministério das Comunicações, antes da decisão final. O perigo, apontam defensores da neutralidade da rede, é o governo ceder espaço para Zuckerberg para compensar o fracasso do Programa Nacional de Banda Larga, que até 2014 só conectou 23,5 milhões de domicílios no país dos 35 milhões previstos inicialmente.

Como se vê, corremos o risco de grande retrocesso. Após aprovar o Marco Civil da Internet, reconhecido como a legislação mais avançada no tema em todo mundo, podemos vir a abrir o flanco para a implantação em larga escala de um projeto totalmente contrário à neutralidade da rede. A Índia saiu na frente ao barrar esta iniciativa e denunciar publicamente seus malefícios. O Brasil precisa seguir esse exemplo e ir pelo mesmo caminho.

Confira a matéria do coletivo Intervozes: Ministério Público considera projeto Internet.org, do Facebook, ilegal

E mais sobre o tema:

O Facebook quer “privatizar” a internet e o Brasil pode ser um grande aliado

Internet.org is just a Facebook proxy targeting India’s poor

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