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Da autoria em rede à Ciência Aberta

Desta vez quero escrever um pouco sobre o desdobramento da minha pesquisa, isto é, de como o estudo que começou com a exploração da autoria em rede, tendo a Wikipédia como objeto privilegiado, acabou seguindo pela trilha da Ciência Aberta.

Pra mim esse foi um caminho natural, de evolução da investigação. Mas fico pensando em quem chega no blog, pela primeira vez ou de volta, se consegue perceber as afinidades entre a escrita colaborativa em rede, tema da pesquisa de doutorado que deu nome ao blog, e o estudo sobre práticas abertas de pesquisa científica, que estou explorando atualmente.

Bom, em primeiro lugar, ao menos no meu ponto de vista, o tema de pesquisa é que nos encontra, e não o contrário. Quer dizer, tudo o que até hoje eu pesquisei foram questões que vieram a mim, ou a partir de minhas observações, no caso do mestrado, quando quis entender o que era a comunicação distribuída, ou a partir de vivências, quando a experiência docente me trouxe o tema da autoria colaborativa para o doutorado.

Durante a pesquisa sobre a autoria em rede, quis entender o regime de circulação de bens intelectuais na atualidade. Com os teóricos do capitalismo cognitivo aprendi que o conhecimento está no centro das novas formas de acumulação do capital. As redes criam um ambiente propício à troca e à produção colaborativa,e ao mesmo tempo o capital encontra novas formas de se apropriar dessa produção comum. Não à toa, o Google, que tem como matéria-prima a informação gerada por uma multidão em rede, é hoje a maior empresa de mídia do mundo. Escrevi sobre isso aqui.

Outro ponto que me interessou aprofundar, ainda no doutorado, foi o das licenças alternativas criadas para, por um lado, permitir o amplo acesso e o remix de obras intelectuais e, por outro, garantir a sua manutenção como um patrimônio comum. Depois fui entendendo melhor que, na verdade, nem todas as licenças protegem os commons, como escrevi aqui.

No cômputo final, me dei conta de que o que mais me mobilizou no doutorado foram essas questões de fundo mais político, que tratam de uma nova disputa na atualidade entre movimentos que defendem a produção coletiva em rede como um bem comum e forças que investem na sua apropriação privada. E me vi claramente tomando uma posição nesse embate e querendo fazer parte do movimento pela defesa do comum.

Portanto, a opção agora de caminhar pelos meandros da Ciência Aberta tem a ver com a continuidade desse estudo e posicionamento sobre a produção colaborativa em rede, agora tratando mais especificamente da pesquisa científica aberta em rede. Nesse contexto, me interessa pensar os riscos de sua apropriação privada e explorar as formas de garantir sua constituição como um bem comum.

Esta semana apresento o início dessa nova pesquisa no Encontro Ciência Aberta 2015, em São Paulo. Em breve, posto aqui os slides da apresentação.

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Economia Peer-to-Peer

A dinâmica de produção do sistema operacional GNU/Linux pode se tornar modelo para outros setores da economia? As novas formas de produção distribuída e equipotencial entre pares estariam apontando para um sistema que vá além do capitalismo?

Michel Bauwens, criador da Peer-to-Peer Foundation, destaca algumas características desse modelo produtivo que representariam profundas mudanças no paradigma da economia capitalista e que poderiam apontar na direção de sua superação:

– a produção entre pares possibilita efetivamente a cooperação livre entre produtores;
– a autoridade entre pares transcende tanto a autoridade do mercado como a do estado;
– as novas formas de propriedade universal transcendem as limitações dos modelos de propriedade pública e privada na constituição de um patrimônio comum;
– o surgimento de uma nova ética do trabalho (Ética Hacker) e novas práticas culturais.

Já Yochai Benkler, outro importante pesquisador da produção P2P, enfatiza que as redes de comunicação tornaram possível a disseminação em larga escala de práticas colaborativas e solidárias que já existiam em escala menor na sociedade. Hoje você pode não só colaborar com uma iniciativa comunitária no seu bairro, mas também se engajar nos mais variados projetos nos quatro cantos do planeta. Dessa forma, então, iniciativas cooperativas têm ganhado força numa dimensão inédita.


Assista ao TED com Yochai Benkler sobre a nova economia de informação em rede

Os dois pesquisadores concordam que a emergência da produção P2P deriva em grande parte da disseminação das tecnologias de informação e comunicação. Como o capitalismo na atualidade é baseado no conhecimento que gera novo conhecimento (inovação) e o computador é o meio que permite tanto o acesso ao conhecimento produzido como a produção do novo conhecimento, pela primeira vez no sistema capitalista o capital fixo é acessível ao cidadão comum.

De fato, há hoje muitos exemplos de iniciativas P2P nas mais diversas áreas, que ilustram como a produção entre pares pode alcançar os mais diversos setores da economia: o projeto WikiHouse, um protótipo arquitetônico aberto que pode ser produzido em impressoras 3D para gerar moradias de baixo custo; ou WikiSpeed, um projeto de carro concebido em um modelo de produção open-source com a colaboração de mais de mil pessoas de 20 países diferentes; ou ainda o sistema de empréstimo P2P Zopa, que intermedia as operações entre as pessoas, possibilitando taxas mais atraentes para quem empresta e para quem toma emprestado.

No entanto, não se pode esquecer que, por outro lado, as formas de exploração da produção colaborativa se sofisticam ao mesmo tempo. As grandes empresas da atualidade fazem isso de forma explícita. A rentabilidade do Facebook , por exemplo, é baseada na colaboração de seus usuários que alimentam a plataforma de graça. Já o motor de busca Google retira valor de dados fornecidos voluntaria e gratuitamente por milhões de pessoas. Some-se a isso o fato de que essas duas grandes empresas são também as maiores alimentadoras dos sistemas de vigilância mundiais, monitorando toda a movimentação on-line e repassando esses dados para organizações governamentais e/ou outras empresas.

O que irá prevalecer? A potência da produção colaborativa entre pares que pode criar soluções para diversos impasses contemporâneos ou disposição da máquina capitalista em capturar a produção colaborativa para priorizar o lucro acima dos interesses coletivos? Está aí, de forma ultra sintética, a grande disputa contemporânea.

Estes foram alguns dos pontos abordados na aula Economia P2P: a produção colaborativa. Para quem se interessar, segue abaixo a apresentação com mais algumas referências:

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Ciência, Sociedade e Redes na Era da Complexidade

A convite do professor Nilton Bahlis dos Santos, vou ministrar parte do curso “Oito Temas para se pensar a Ciência, a Sociedade e as Redes na Era da Complexidade”, no Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz.

Ao lado de aulas regulares, de caráter presencial, haverá atividades de Educação em Rede para alunos ouvintes, com participação através da Internet. As aulas serão transmitidas on-line e haverá debate permanente dos temas estudados no Facebook e em outros ambientes de nuvens. Os alunos que estiverem on-line no momento da transmissão poderão debater e contribuir diretamente através de comentários no grupo. As gravações das aulas ficarão disponíveis no Canal do Next no Youtube.

O curso se propõe a refletir sobre as modificações por que passa a sociedade na Era da Complexidade e da Internet; a necessária revisão do Paradigma da Ciência Clássica; o fenômeno do surgimento de redes distribuídas como central na passagem à novas formas de organização política, econômica e social e de produção de conhecimento; e as novas possibilidades e constrições que se colocam para a Saúde, a pesquisa, a educação e a ciência.

Sua metodologia será de uma oficina de investigação ou grupo de estudo, onde os professores e tutores terão o papel de subsidiar e estimular a interatividade e a produção coletiva de conhecimentos. As aulas serão às quinta-feiras, de 13h30 às 16h30, no período de 19 de março a 04 de Junho de 2015.

Para conhecer a Metodologia do curso ler o artigo “Lições Aprendidas em uma Experiência de Utilização do Facebook como Arquitetura Pedagógica de Apoio a um Curso em Regime Blended Course”.

Confira o programa:

* Paradigma da Ciência;
* Redes e Totalidade, da Cadeia de Produção às Redes Distribuídas;
* Processos Top down ou Bottom up: Hierarquia ou Emergência”;
* Educação e Comunicação: “Transmissão Mensagens” e “Disseminação de Conteúdo”, ou Sincronização;
* Comunidades Virtuais, e Reforma Sanitária;
* Economia P2P;
* Autoria e novas formas de patrimônio e produção de conhecimento;
* Democracia Representativa ou Ciberativismo.

Os interessados devem entrar no Grupo do Curso “Oito Temas para se pensar a Ciência, a Sociedade e as Redes na Era da Complexidade” no Facebook, onde podem ser feitas as inscrições a partir de hoje.

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Cartografia colaborativa, o caso Porto Alegre CC

Há algum tempo escrevi aqui sobre as cartografias colaborativas como uma forma de autoria em rede: mapas que são produzidos através da ação colaborativa de uma multidão de atores sociais, que trazem o registro de dados de interesse coletivo e se constituem em um bem comum, na medida em que contribuem para melhorias nos serviços públicos e privados; denúncias de problemas na cidade; registro de acervos culturais etc.

Tradicionalmente, a produção de mapas esteve relacionada à formação dos estados, com o objetivo de demarcar seu território, a localização de recursos etc. Sendo assim, se constituiu primeiramente como um processo centralizado, realizado a partir de decisões de instituições governamentais com o objetivo de atender a determinadas demandas geopolíticas.

No entanto, é importante salientar que a cartografia é antes de tudo uma representação do espaço, portanto passível de interpretação e dotada de viés político. Assim, o mapeamento feito pelo coletivo social tem o potencial de dar visibilidade a aspectos relevantes para a cidadania, mas que podem ser negligenciados pelo poder público.

Retornei a esse tema recentemente, nas apresentações que fiz no Acta Media 11, e desta vez pesquisei um pouco mais o caso Porto Alegre CC. Assim, pude perceber com mais clareza que o sucesso dessa iniciativa, que conta com centenas de registros sobre a cidade feitos por seus moradores, deriva do amadurecimento político-social da população local.

Porto Alegre CC

Porto Alegre CC

A plataforma foi lançada em março de 2011, como um projeto conjunto entre a prefeitura local e a Universidade de Vale dos Sinos, com o objetivo de incentivar o exercício da cidadania a fim de melhorar a qualidade de vida na cidade.

Importante destacar que o Porto Alegre CC faz parte de uma tecnologia social mais complexa, que vai além da plataforma virtual. Os registros feitos pelo público são acompanhados pela equipe que administra o projeto, com a realização de encontros periódicos e oficinas de capacitação social, com o intuito de dinamizar a participação popular em torno das demandas.

É evidente o legado da experiência do Orçamento Participativo como inspiração para esse projeto. Implantado de forma pioneira na cidade na década de 1980, para promover o debate público sobre as prioridades de investimento no município, essa metodologia de participação popular mais tarde se estendeu a dezenas de cidades brasileiras e também chegou ao exterior, em cidades como Montevidéu, Caracas, Buenos Aires e Lisboa.

Então, ao refletir sobre o papel das cartografias colaborativas com vistas à articulação social política, não se deve perder de vista que a mobilização é antes de tudo derivada da ação cidadã, isto é, o suporte tecnológico é apenas um elemento a mais no complexo processo de amadurecimento da sociedade democrática.

Abaixo, os slides de minha apresentação “Autoria e redes de comunicação: um olhar sobre as cartografias colaborativas”, no Acta Media 11, em Lisboa e São Paulo.

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Autoria peer-to-peer: o caso Overmundo

Acabo de voltar de Portugal, onde participei do simpósio Acta Media XI com duas apresentações. Uma delas, em Coimbra, foi sobre o que denominei de autoria peer-to-peer, tendo o website Overmundo como exemplo.

O conceito de peer-to-peer vem sendo pensado para falar de produções atuais baseadas na livre cooperação, que seriam um terceiro modo de produção, diferente tanto do capitalista, orientado pelos interesses do mercado, como do encontrado em regimes socialistas, dirigido pelo estado.

Entre suas características estão a participação equipotencial, isto é, a não exigência de credencial para participar. Outro diferencial é a validação feita coletivamente, na qual a filtragem se dá a posteriori e não como uma barreira de entrada. Podemos pensar aí no jornalismo open publishing, que se opõe à editoria centralizada e hierarquizada da imprensa tradicional.

Importante também é o modelo de administração da produção, feita pela própria comunidade, com um tipo de autoridade horizontal que se baseia na reputação e no mérito. Por último, o bem produzido é disponibilizado livremente em regime de propriedade comum.

A enciclopédia colaborativa Wikipédia e o sistema operacional GNU/Linux são os exemplos paradigmáticos da produção peer-to-peer, ambos disponibilizados como um bem comum amparados em licenças livres para impedir sua apropriação privada.

Em minha fala, refleti sobre alguns aspectos dessa produção colaborativa, em diálogo com outros pesquisadores, tendo como referência o pensamento de Michel Focault.

Abaixo, para quem se interessar, os slides da apresentação.

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Lançamento do livro Autoria em Rede, dia 19/08

Depois de quatro anos de pesquisa e mais alguns meses de edição, atualização e revisão, acaba de sair do forno o meu livro “Autoria em Rede: os novos processos autorais através das redes eletrônicas”, pela Editora Mauad X.

Convido todos para o lançamento na próxima terça-feira, dia 19 de agosto, a partir das 19h30, na Blooks Livraria, Praia de Botafogo, 316, Rio de Janeiro.

AUTORIA-EM-REDE-CONVITE

Segue um breve resumo:

As atuais publicações eletrônicas podem ser produzidas por uma multidão de pessoas, dispersas pelos mais diversos cantos do planeta. Mais que isso, em muitos casos, seu processo criativo conta com a participação de robôs e algoritmos. Este livro busca iluminar esse fenômeno recente através da perspectiva histórica. Para isso, faz um percurso pelos diferentes modelos autorais da cultura ocidental, desde a Antiguidade até os tempos atuais, a fim de identificar suas inflexões e apontar suas perspectivas futuras. Ao lado da pesquisa histórica, explora também a especificidade da linguagem digital, que proporciona os atributos da conectividade e interatividade, tão essenciais para a produção colaborativa em rede e aborda ainda, os desafios trazidos pelo novo modelo autoral, que envolve o amplo compartilhamento de dados, abalando profundamente as normas vigentes de propriedade intelectual. Por último, alguns estudos de caso, entre eles a Wikipédia, servem de complemento às pontuações teóricas.

Quem estiver pelo Rio, apareça!

O livro está à venda também pela Internet, nas grandes livrarias ou pelo site da Mauad X Editora.

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Autoria e propriedade

Acaba de ser publicado na Revista Logos – Comunicação e Universidade, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Uerj, o meu artigo “Autoria e propriedade – inflexões e perspectivas de uma relação em crise”. No texto, abordo as transformações nos regimes de propriedade intelectual das produções textuais, com enfoque na historicidade do conceito de autoria, e aponto algumas licenças alternativas que têm sido experimentadas atualmente.

Revista Logos - Ética e Autoria

Revista Logos – Dossiê Ética e Autoria

Leia o resumo:

As relações entre autoria e propriedade estão em crise na atualidade, sob o impacto das novas dinâmicas autorais presentes nas redes de comunicação. Neste artigo, num primeiro momento, percorremos a história da autoria, pontuando suas inflexões. Em seguida, apresentamos algumas licenças alternativas que têm sido criadas como um questionamento prático das restrições vigentes quanto à propriedade intelectual.

Clique aqui para baixar o artigo completo.

Vale conferir o dossiê Ética e Autoria completo, publicado pela revista.

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A auto-gestão do comum

Neste post vou abordar brevemente outra obra de interesse para os estudos de cibercultura: o livro Governing the Commons: The Evolution of Institutions for Collective Action, de Elinor Ostrom (1933-2012), cientista política norte-americana, ganhadora do Prêmio Nobel de Economia em 2009.

Clique aqui para baixar o livro.

Ostrom se dedicou ao estudo da ação coletiva na gestão de recursos comuns, com ênfase nas estratégicas de auto-organização. Neste livro seminal, ela aborda casos de governança de bens comuns como, por exemplo, o manejo da pastagem no Japão e na Suíça e os sistemas de irrigação em comunidades das Filipinas, a fim de identificar práticas e critérios que favoreceram sua sustentabilidade.

Na sua visão, o sucesso na auto-gestão de comunidades cooperativas depende de alguns princípios norteadores, entre eles:

1. Limites claramente definidos da comunidade envolvida;
2. Regras claras sobre apropriação e provisão de recursos comuns, adaptadas às condições locais;
3. Acordos coletivos que permitem que a maioria participe do processo de tomada de decisão;
4. Monitoramento do comportamento dos participantes;
5. A escala de sanções graduais para quem viole as regras comunitárias;
6. Mecanismos de resolução de conflitos de fácil acesso.

Em minha pesquisa de mestrado, na qual analisei o website Slashdot, recorri aos seus estudos para pensar a auto-organização daquela comunidade virtual. De fato, pude observar ali a existência da maioria dos princípios elencados por Ostrom. Na época, o que mais me chamou a atenção foi identificar um sistema de monitoramento distribuído na gestão de uma comunidade hacker baseada na colaboração. Sua obra me ajudou a perceber o papel do controle para o sucesso da cooperação. Daí me veio o título da dissertação: “Cooperação e Controle na rede: um estudo de caso do website Slashdot.org.

O importante a ressaltar é como sua obra pode servir a projetos e experiências de auto-organização na gestão de bens comuns, no ambiente virtual ou físico, como uma orientação para se pensar em estratégias para a sustentabilidade dessas iniciativas.

Para conhecer um pouco mais do pensamento de Elinor Ostrom, vale assistir a esta entrevista, concedida em 2010, ao programa Sem Fronteiras.

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