Arquivo do mês: setembro 2012

A credibilidade da Wikipédia, mais uma vez, em xeque

Alguém pode ser mais gabaritado para falar da inspiração de uma obra do que o seu próprio autor? Pois a Wikipédia acha que não. Este foi o cerne de uma briga que envolveu recentemente o escritor norte-americano Philip Roth e um administrador da Wikipédia em língua inglesa. Ao pedir a correção de uma informação sobre em quem teria sido baseado o seu livro “A marca humana”, Roth recebeu a seguinte resposta: “Compreendo seu argumento de que o autor é a maior autoridade sobre sua obra, mas nós exigimos fontes secundárias”.

Indignado com a resposta, Roth escreveu uma carta aberta à Wikipédia no blog “Page-Turner”, da revista “The New Yorker”, expondo o problema. Isso repercutiu pela imprensa do mundo todo e mais uma vez trouxe à tona o problema da credibilidade da enciclopédia eletrônica colaborativa. Por fim, o verbete sobre o livro acabou incorporando a correção do escritor, porque agora já tem a referência externa – a carta aberta publicada – para citar. Mas não podia ter sido mais simples?

Você pode ler uma tradução da carta de Philip Roth no site do Observatório da Imprensa

Este parece ser mais um caso em que a regra, em vez de servir de parâmetro para o bom desenvolvimento do projeto, acaba por engessá-lo. A Wikipédia tem uma série de normas para edição, e isto é necessário já que se quer dar um conceito e uma unidade ao projeto. No entanto, essas diretrizes não devem ir de encontro ao bom senso. O que deve valer é o espírito da norma: as fontes secundárias são pedidas para confirmar a informação. No entanto, se o próprio autor de uma obra afirma que os dados estão errados, essa confirmação deixa de ser necessária. É óbvio.

A Wikipédia é um dos sites mais acessados em todo mundo e não há como negar sua utilidade como uma primeira fonte de consulta, devido em grande parte às referências externas que têm o potencial de ampliar e dar consistência à pesquisa. Porém, como um projeto de grande dimensão – só em português atualmente já são mais de 750 mil artigos – tem também muitos problemas. Há algum tempo eu escrevi aqui sobre a denúncia dos artistas que criaram a “Freakpedia – a verdadeira enciclopédia livre porque se sentiram censurados pelos administradores. Leia mais aqui.

De fato, a estrutura administrativa do projeto, um tanto hierarquizada, pode acabar criando problemas. É muito comum a queixa de colaboradores novatos sobre a reversão (ou retirada) de suas edições pelos administradores. É compreensível que seja necessário estabelecer normas para garantir a qualidade dos artigos, porém o difícil é conseguir fazer com que prevaleça o bom senso sobre a rigidez da obediência cega às regras.

Leia mais sobre o processo burocratização da Wikipédia no artigo “Don’t look now, but we’ve created a bureaucracy: the nature and roles of policies and rules in Wikipedia“.

E os problemas de credibilidade da Wikipédia não param por aí. Esta semana foi divulgado mais um caso envolvendo administradores do Reino Unido: “Corruption in Wikiland? Paid PR scandal erupts at Wikipedia”.

Por outro lado, a Wikipédia não é uma publicação pronta e fechada. Ao contrário, o projeto é um processo contínuo de produção colaborativa: os artigos estão sempre sendo modificados e atualizados. E também as próprias normas editoriais, em tese, não são fixas, isto é, podem ser modificadas pela comunidade de participantes. Sendo assim, espera-se que este embate ajude a expor o excesso de burocracia por parte dos administradores e contribua para aperfeiçoar seu sistema editorial.

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Apple x Samsung – ou até que ponto as patentes podem inibir a inovação

Uma ideia pode ter dono? Mas se não tiver, como garantir a remuneração de quem dedica sua vida à pesquisa e à criação? Estas duas perguntas resumem o debate sobre a pertinência, ou não, da propriedade intelectual como balizador, ou limitador, da inovação.

A recente disputa entre a Apple, fabricante do iPad e do iPhone, e a Samsung, fabricante de tablets e smartphones, trouxe mais uma vez à baila essas questões. Como se sabe, a Apple ganhou o processo na justiça norte-americana, e a Samsung terá que pagar uma multa de US$ 1,049 bilhão por violação de patente.

Essa decisão é emblemática pois nos leva a indagar até que ponto é possível registrar a patente de uma ideia. No caso da Apple, os registros chegam a um nível de detalhe bastante questionável. Um deles, por exemplo, é relativo ao formato retangular com os cantos arredondados de seus aparelhos. Ou seja, para a empresa, ela seria proprietária desse design e nenhum outro fabricante poderia usá-lo sem sua autorização. No entanto, essa ideia não é um tanto óbvia e trivial?


Um protótipo de tablet no filme “2001 – Uma odisséia no espaço”

Em sua contestação na justiça dos EUA, a Samsung apresentou um trecho do filme “2001 – Uma odisséia no espaço”, dirigido por Stanley Kubrick em 1968, como prova da existência de um protótipo de tablet muito anterior ao iPad. É curioso, e bastante paradoxal, lembrar que o próprio Steve Jobs, fundador da Apple, copiou o modelo da interface gráfica, dos ícones e do mouse do computador pessoal inventado pela Xerox e usou no desenvolvimento do PC Macintosh, produzido pela sua empresa. Quer dizer, dependendo do interesse, as ideias podem ou não ser copiadas, o que é totalmente incoerente…

Cabe, portanto, perguntar: mas interesse de quem? Se formos pensar no interesse da sociedade e da evolução tecnológica, tendo em vista os consumidores, afinal, a decisão da justiça norte-americana é positiva ou negativa?

As opiniões aqui se dividem. Há os que acham que esta decisão vá inibir a inovação, e com isso prejudicar os consumidores que terão menos opções, provavelmente mais caras, já que todos os fabricantes teriam que desenvolver seus projetos a partir do zero, não podendo contar com o conhecimento já acumulado em outros projetos. Outros especialistas, ao contrário, acreditam que isso servirá de estímulo para que as empresas invistam na criação de mais e melhores aparelhos eletrônicos.

Fica uma questão de fundo, aquela que tenho tratado aqui no blog reiteradas vezes: o processo criativo é algo de natureza individual, com conotação privada e proprietária, ou o resultado de complexas relações produtivas que se dão em escala social? Na verdade, ninguém cria nada do zero, ao contrário, sempre irá se inspirar nas criações daqueles que o antecederam – seja nas artes, na ciência ou na tecnologia. Por outro lado, não é justo que patentes muito genéricas impeçam o desenvolvimento de produtos e acabem diminuindo a competição, em prejuízo dos consumidores.

Sendo assim, um dos maiores desafios da sociedade atual, em nível mundial, é definir parâmetros jurídicos mais equilibrados que garantam a remuneração justa para quem cria, sem comprometer a evolução da arte, do conhecimento e da tecnologia.

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