Arquivo do mês: junho 2016

Novas ameaças à internet livre

Estive recentemente participando de debate sobre o filme Freenet?, que já contém em seu título o questionamento sobre a liberdade na internet: a rede é mesmo livre? E esta liberdade, se existe, já está garantida?

Em minha fala abordei justamente algumas ameaças que estão atualmente pairando sobre a internet livre no País. Estamos vivendo atualmente um momento de grandes retrocessos, com a possibilidade concreta de perdemos em pouco tempo conquistas que foram fruto de décadas de luta da sociedade civil.

Em relação à internet não é diferente. Em 2014, aprovamos, sob os aplausos de ativistas, juristas e pesquisadores do mundo todo, o Marco Civil da Internet. No entanto, suas diretrizes correm o risco de serem distorcidas por iniciativas que têm avançado no Congresso Nacional.

Uma dessas distorções tomou forma no relatório final da CPI dos Crimes Cibernéticos, aprovado em 04/05/2016, que elencou alguns projetos de lei que tramitarão em regime de prioridade na Câmara Federal.

Embora a atuação de entidades civis e instituições acadêmicas, como o coletivo Intervozes e o Instituto de Tecnologia e Sociedade, tenha conseguido retirar algumas aberrações do pacote, como o projeto de lei que autoriza a retirada imediata, apenas por notificação, de crítica considerada acintosa à honra de um político nas redes sociais, ainda restaram proposições legislativas bastante preocupantes.

Por exemplo, o projeto de lei 5204/2016 que, se aprovado, autorizará a Justiça a bloquear sites e aplicativos, que sejam hospedados no exterior ou não tenham representação oficial no Brasil, e que pratiquem crime punível com pena mínima igual ou superior a dois anos.

Em primeiro lugar, não faz sentido bloquear toda uma plataforma ou aplicativo porque existe alguma violação à lei por parte de um ou mais usuários isolados. Isso pode causar um efeito pernicioso de censura prévia e de restrição à liberdade de expressão. Isso porque os administradores de tais plataformas podem optar por criar um sistema de monitoramento e retirada prévia de conteúdo a fim de evitar a penalização radical.

A justificativa apresentada para tal proposta é o combate aos crimes de pornografia infantil. Isso porém não faz sentido, pois não há necessidade de uma lei específica a esse respeito para o ambiente cibernético, pois esses crimes já estão previstos no código penal brasileiro.

É evidente a atuação do lobby pela proteção dos direitos autorais, defensores dos interesses das grandes corporações de mídia, por trás dessa proposta. Se até agora não conseguiram deter a dinâmica de compartilhamento de bens intelectuais pela rede, tentam criar um novo recurso, drástico, para fazê-lo.

Outra ameaça é a limitação de dados nos pacotes de internet fixa. Lamentável ver que essa proposta de mudança conta com o apoio da Anatel, órgão público em tese responsável pela defesa dos interesses dos consumidores e não das operadoras. Se a proposta for aprovada, os novos planos de internet fixa poderão ser cobrados também pelo consumo de dados, e não só pela velocidade como era feito anteriormente. Assim, serão criadas classes diferentes de conexão à internet: os que têm acesso a tudo e os que têm acesso restrito.

Importante lembrar que o Marco Civil trata a internet como serviço essencial para o exercício da cidadania. Assim, o direito à conectividade é visto como um direito básico, pois através dele é possível o “acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos políticos” (citação de trecho do Marco Civil, Lei 12.965, de 23 de abril de 2014).

Apesar do quadro nada animador, a boa notícia é que, depois da grande mobilização da sociedade, a Anatel decidiu abrir consulta pública para ouvir entidades e especialistas a fim de colher subsídios antes de deliberar sobre o tema. Leia a nota do Idec sobre o assunto.

A rede é território em disputa. Desde seu início, quando foi criada com fins bélicos no ambiente da guerra fria, mas estruturada com protocolos colaborativos pelos acadêmicos responsáveis por seu desenvolvimento e depois povoada pelos valores hackers de cooperação e compartilhamento. Estamos, portanto, em plena luta para garantir que os valores da internet livre prevaleçam sobre os interesse comerciais e os dispositivos de controle (outro tema do debate sobre o filme foi a vigilância, que vai ficar pra um futuro post). Por isso é fundamental que todos estejam no front, como cidadãos, expressando e fazendo valer sua vontade.

O prazo da consulta à proposta de limitação de dados na internet fixa será de 60 dias e estará aberto para técnicos, ativistas, estudantes e consumidores. O Idec organizará uma plataforma para auxiliar todos aqueles que queiram participar com estudos e informações sobre como barrar a franquia de dados. Além disso, existe também um abaixo-assinado contra a proposta, já com mais de 1,5 milhão de assinaturas, que será enviado à Anatel e ao Ministério Público Federal. Já assinou?

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