Arquivo do mês: dezembro 2015

Ferramentas jurídicas para proteção da produção colaborativa

Comecei a pesquisar as ferramentas jurídicas utilizadas no contexto da Ciência Aberta, especialmente as que possam resguardar a produção colaborativa como recurso comum compartilhado, impedindo sua apropriação privada. Como escrevi anteriormente, de modo geral, tem prevalecido no âmbito da Ciência Aberta a opção pelos critérios propostos pelos Panton Principles, isto é, o uso de licenças que liberem os dados sem qualquer tipo de restrição de ordem financeira, legal ou técnica, visando sua maior disseminação mas sem considerar sua possível expropriação privada.

Em uma exploração inicial, encontrei a CERN Open Hardware Licence, inspirada na General Public License, que segue os mesmos princípios: qualquer um pode ver a fonte (do design do hardware, no caso), estudá-la, modificá-la e compartilhá-la. Do mesmo modo, é obrigado a manter a mesma licença em trabalhos derivados, como um instrumento para assegurar o acesso da comunidade de pesquisadores e designers às modificações e aperfeiçoamentos que porventura venham a ser feitos com base em sua documentação.

Também encontrei o que não é propriamente uma licença, mas sim um termo de uso que atende de forma muito inteligente à equação de liberar o conhecimento abertamente para a pesquisa colaborativa, mas impedir sua apropriação privada sem contrapartida. Trata-se do termo de uso da plataforma de dados do consórcio Open Source Drug Discovery (OSDD), uma iniciativa para a pesquisa colaborativa de medicamentos de doenças negligenciadas, subordinada ao Council of Scientific and Industrial Reasearch (CSIR), da Índia.

Para ter acesso aos dados do projeto é preciso concordar com os termos de uso que preveem a figura da Protected Collective Information (Informação Coletiva Protegida) como um instrumento para impedir a apropriação indevida de seus recursos. Todas as informações submetidas ao portal e os resultados da pesquisa colaborativa estão registrados como Protected Collective Information que, por sua vez, pertence unicamente a OSDD, que dessa forma mantém o controle sobre o uso e gestão desses recursos.

Entre as regras estabelecidas para uso dos dados do portal está a obrigatoriedade de atribuição de autoria e a permissão para fazer aperfeiçoamentos, adições e modificações, inclusive para uso comercial. No entanto, todas as derivações devem ser devolvidas sem ônus para a OSDD. Mesmo no caso de aquisição de propriedade intelectual sobre algum trabalho derivado, este deve estar disponível ao consórcio, sem custo algum, para o desenvolvimento de futuras pesquisas.

A criação do instrumento da Protected Collective Information garante, desse modo, o fortalecimento do acervo de dados para uso compartilhado pela comunidade de pesquisadores, ao mesmo tempo em que impede a ação de free rides, pois todo uso deve ter a contrapartida do retorno de eventuais desdobramentos de pesquisa, sempre que esta for feita a partir de informações provenientes de seu banco de dados.

Esse é um exemplo bastante consistente de proposta prática na área da Ciência Aberta, que consegue enfrentar o desafio de oferecer uma plataforma propícia ao desenvolvimento de pesquisa colaborativa entre pesquisadores de todo o mundo – de estudantes de graduação a doutores – ao mesmo tempo em que estabelece limites e restrições para impedir a mera expropriação dos commons pela iniciativa privada. Ao mesmo tempo, permite que empresas também participem do esforço conjunto para o descobrimento de novas drogas e terapias, contanto que aceitem devolver gratuitamente à comunidade de pesquisadores os desdobramentos que possam ser gerados a partir desses recursos comuns.

Abaixo a apresentação que fiz no Encontro Ciência Aberta, na USP em novembro, onde apresento as ideias dos últimos posts de forma mais sistematizada.

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