Quem acompanha o blog deve se lembrar dos posts que escrevi a respeito da gestão de Ana de Hollanda frente ao ministério da Cultura. Nesses quase dois anos, as políticas de cultura digital sofreram um grande retrocesso pois a ministra, como já afirmei, ou ignorava totalmente a dinâmica das redes de comunicação ou estava de fato comprometida com a manutenção de um sistema retrógrado de produção cultural que favorece em larga medida as empresas de mídia (leia-se indústria fonográfica, estúdios de Hollywood etc) em detrimento da fruição artística.
Um pouco mais da desastrosa gestão da ex-ministra você pode ler no post Equívocos do imbróglio MinC x Creative Commons.
Pra se ter uma ideia da mentalidade equivocada da ex-ministra, basta dizer que ela, em artigo publicado no jornal O Globo do último sábado, usa a expressão “bullying virtual” para se referir o movimento pela flexibilização dos direitos autorais que tem por objetivo adequar a lei às mudanças trazidas pelas redes digitais nas formas de circulação dos bens culturais. Mas veja como esta atualização é cada vez mais urgente: se você quiser, por exemplo, transferir as músicas de um CD comprado por você para o seu tocador de mp3, como o iPod, estará infringindo a atual Lei de Direito Autoral.
A boa nova é que finalmente Ana de Hollanda saiu e, em seu lugar, foi nomeada Marta Suplicy, que chegou acenando para o diálogo com a realização de uma reunião ampliada, em 20 de setembro, com os ativistas da cultura digital.
Na semana passada, Marta chamou Marcos Souza, ex-diretor de direitos autorais da gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira, de volta ao MinC a fim de dar prosseguimento à reforma da Lei de Direito Autoral, que estava praticamente paralisada. Aliás, vale mencionar que Ana de Hollanda nomeou para o mesmo cargo Márcia Regina Barbosa, por indicação de Hildebrando Pontes Neto, advogado do Escritório Central de Arrecadação (Ecad). Com tantas denúncias de má gestão, este órgão não deveria nunca ser o interlocutor privilegiado nessa discussão. É como nomear a raposa para tomar conta do galinheiro…
Mais sobre esse assunto no post A última do Ecad.
Resolvi escrever este post, na verdade, porque fiquei sabendo de uma iniciativa muito interessante para debater as futuras políticas da nova gestão do MinC: a Epístola Digital Descentralizada, um abaixo-assinado com uma pauta de propostas construída coletivamente através de uma lista de discussão. Entre os temas tratados, além da Reforma da Lei de Direito Autoral, estão: Lei do Acesso à Informação e Governo Aberto, Rádio e TV Digital , Hardware Livre, Acesso à Internet, Plataformas digitais de repositórios públicos, Infraestrutura de rede descentralizada etc. Dentro do espírito da cultura digital, o documento está atualmente na versão 0.1.2 coletiva e o debate continua aberto.
Você pode ler e assinar a Epístola Digital Descentralizada aqui.
Em poucas semanas, a nova ministra fez aquilo que em quase dois anos Ana de Hollanda não soube fazer: dialogar com a sociedade, ouvir os vários lados de uma questão e dar encaminhamento às demandas. Espero que seja bem-sucedida em sua gestão e que retome os projetos da fase Gil/Juca, como o Cultura Viva, que tanto mobilizaram e produziram valor pelo país afora.