AARON – um software artista?

Volta e meia retorno aqui no blog a um tema um tanto incômodo para a noção tradicional de autoria individual centrada em um sujeito: o papel dos algoritmos no processo autoral. Afinal, a máquina pode ser considerada um autor? Mas a autoria não é algo de natureza humana?

O que me traz de volta ao tema é sempre um novo caso de participação ativa de softwares em projetos que envolvem alguma sofisticação criativa. Recentemente soube da existência do robô “What would I say”, um aplicativo que cria frases, de forma aleatória, a partir de postagens de um perfil no Facebook. O software foi criado como um mero passatempo, mas o interessante é que ele vem sendo usado para fins literários, como mostra a matéria “Literatura do acaso: as experiências com o bot ‘What would I say?”, publicada no jornal O Globo.

Na reportagem, são mencionados vários aspectos do deslocamento trazido por essa produção maquínica. O poeta deixa de criar ele mesmo, para se tornar um curador das composições de palavras, com ou sem sentido, apresentadas pelo computador.

Por um lado, o lugar tradicional do indivíduo autor, de natureza subjetiva, se esvazia. Por outro, a própria máquina pode proporcionar arejamento à linguagem e contribuir para a renovação do código linguístico. Tratei desse ponto e de alguns projetos de literatura generativa aqui neste post.

Um dos casos que mais me impressiona, por revelar de fato uma atuação maquínica original e única, é o do software denominado AARON. Desenvolvido em 1968, pelo artista plástico Harold Cohen, o programa é capaz de executar pinturas, com total autonomia, sem recorrer a uma de base de dados pré-estabelecida. Segundo seu criador, é o programa quem decide o que fazer a partir de uma série de parâmetros sobre características de imagens (como as proporções do corpo humano, por exemplo), algumas noções de composição de cor, regras de estilo etc.

Pintura de AARON

Pintura de AARON

Vale ainda ressaltar que as pinturas criadas pelo robô não se repetem, são sempre originais. Algumas de suas pinturas já foram a leilão, com lance inicial de U$ 2.000 cada, como parte de uma campanha em apoio ao Computer Museum, em Boston.

Saiba mais sobre o AARON aqui e aqui.

Veja algumas das pinturas que foram à leilão.

Mas ainda permanece a questão colocada no primeiro parágrafo: o software pode ser visto como um artista? Eu desenvolvi uma breve reflexão sobre esse tema neste post aqui. Em síntese, é mais plausível se pensar na máquina como uma posição em sistema de comunicação e criação que se dá em uma complexa interação humano cibernética, como propõe Espen J. Asrseth.

Harold Cohen criou o algoritmo, alimentou-o com suas ideias sobre composição artística e, posteriormente, o programa executou a ação de acordo com esses parâmetros. A concepção criativa, portanto, foi de Harold, que podemos chamar de meta-autor, pois foi ele quem criou um objeto capaz de executar determinado tipo de pinturas, mesmo que de forma autônoma e original.

Assista a vídeo com Harold Cohen falando sobre AARON

8 Comentários

Arquivado em Autoria maquínica

8 Respostas para “AARON – um software artista?

  1. Juliana

    ótima a sua provocação. brilhante o seu blog. parabéns.

    • Oi Juliana,

      Na verdade, os novos tempos e as tantas transformações trazidas pela tecnologia é que nos provocam a pensar, não é mesmo?

      Que bom que gostou do blog 🙂

      Volte sempre!

      Um abraço,

      Bia

  2. Oi Bia,
    Totalmente de acordo, quem parametrizou, criou o algoritmo, idealizou a máquina e a tornou realidade é o autor!

    O paradigma mudado aí é a transformação da dependência da existência do autor para a execução da produção final, que continuará a ser revelada muito tempo depois da morte do autor, enquanto a máquina funcionar/existir

    • Oi Rodrigo,

      Pois é, e você trouxe ainda um outro desdobramento sobre o qual eu nem tinha pensado: depois da morte do chamado meta-autor (o criador do algoritmo), o software continuará produzindo as obras de autoria ciborgue…

      De fato, um processo novo que desafia radicalmente a noção tradicional de autoria e um instigante objeto para reflexão!

      Um abraço,

      Bia

      • Esta reflexão é provável, bastante lógica (de vcs dois). Como artista plástica, entendo que, cada obra de arte, carrega características exclusivas do criador, mas isto somente os estudiosos de cada artista é capaz de observar, são os estudos realizados em laboratório, usando raio X e etc. Como costuma ser muito caro, só é utilizado em caso de denúncia de falsificação. Seria de fato interessante, se alguns destes peritos resolvessem analizar se as obras produzidas pelo programa AARON carregam as características pró primas de H.Cohen. Repito, este é um assunto fascinante. Parabéns!
        Caso saiba de mais informações sobre o tema, por favor me notifique.

      • Olá Tuia,
        Muito interessante sua sugestão. A participação da inteligência artificial na arte é um tema que está sempre nos trazendo novas questões por outros ângulos, não é mesmo? Caso me depare com alguma abordagem original sobre o tema, posto aqui a referência.

        Obrigada pelo comentário.

        Um abraço,

        Bia

  3. Reynaldo

    Um dos dois principais blogs sobre cultura livre está de volta: o Baixa Cultura. O outro é o seu. Por favor, escrevam mais !!!!

    • Oi Reynaldo,

      Fico lisonjeada com seu elogio. Grata 🙂

      Já tenho a ideia pro próximo post, que vou escrever em breve. Acredito que você vai gostar!

      Um abraço,

      Bia

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