Internet.org x neutralidade da rede

Mês passado, tivemos uma boa notícia em defesa da neutralidade da rede: a Índia proibiu o funcionamento do projeto Internet.org do Facebook, também conhecido como Free Basics, que representa uma das maiores ameaças à isonomia de tratamento aos diferentes pacotes de dados que circulam pela rede.

Como se sabe, há vários tipos de dados em circulação na Internet – correio eletrônico, voz sobre IP, streaming de vídeo e áudio, redes p2p, os mais diferentes sites e plataformas etc. Garantir a neutralidade da rede é tratar todo o tráfego da mesma maneira a fim de que cada bit tenha o mesmo peso e prioridade.

Assim, é possível acessar todo tipo de site, alternativos e independentes ou comerciais e corporativos, com a mesma facilidade. Mais ainda, qualquer um com conhecimento técnico pode criar novos serviços, projetos ou aplicativos com os mais variados objetivos. Tem sido assim desde a invenção da rede de redes e exatamente por isso ela é tão rica e diversa.

Mark Zuckerberg, fundador e CEO do Facebook, alega que seu objetivo é conectar comunidades carentes em nível global. No entanto, na expressão que já ficou famosa, é uma conexão dentro de “jardins murados”, pois a proposta é oferecer acesso gratuito a alguns poucos sites e aplicativos, como o próprio Facebook e o Messenger, entre outros. Qualquer coisa fora desse pacote é paga.

A consequência nefasta disso é que para milhões de pessoas no mundo todo a Internet estaria limitada basicamente a alguns sites e serviços apenas, desconectada desse grande hipertexto mundial e suas inúmeras possibilidades. Além disso, seria muito mais difícil o surgimento de novas plataformas para concorrer com as atuais.

É importante lembrar que o próprio Facebook, por exemplo, criado num alojamento universitário, desbancou o Orkut e o Myspace, redes sociais desenvolvidas por grandes empresas, Google e Windows respectivamente. Pense em quantos novos serviços e aplicativos foram criados, vamos dizer, nos últimos cinco anos e puderam vingar porque estavam disponíveis em pé de igualdade com outros já estabelecidos e, assim, ganharam público. É fácil imaginar, portanto, o que perderemos se Zuckerberg conseguir emplacar seu projeto em escala mundial.

Mais do que conectar pessoas, a proposta de Zuckerberg visa aumentar sua base de dados, a matéria prima de seu negócio, e consequentemente sua receita. Em 2015, a rede social teve um faturamento de quase U$ 18 bilhões e vale hoje cerca de U$ 290 bilhões. Com o Internet.org o objetivo não revelado é avançar sobre as populações mais pobres e multiplicar seu lucro, em detrimento do acesso à informação e da própria Internet livre.

Em abril de 2015, Zuckerberg esteve com a presidente Dilma, na Cúpula das Américas, e saiu com a promessa da implantação do Internet.org no Brasil em junho do mesmo ano. A ideia era fazer um projeto piloto na comunidade de Heliópolis, em São Paulo, com cerca de 200 mil pessoas. Felizmente, o assunto foi primeiro para a análise do Ministério Público Federal, que soltou uma nota técnica, em novembro, contrária à proposta por desrespeitar o Marco Civil da Internet, que prevê a neutralidade da rede no país, e violar a liberdade de acesso à informação.

No entanto, infelizmente, o parecer do MPF não impede que o projeto de implantação do Internet. org no Brasil siga adiante. Ele deve passar pela avaliação de outros órgãos competentes, como a Anatel, o Comitê Gestor da Internet e o Ministério das Comunicações, antes da decisão final. O perigo, apontam defensores da neutralidade da rede, é o governo ceder espaço para Zuckerberg para compensar o fracasso do Programa Nacional de Banda Larga, que até 2014 só conectou 23,5 milhões de domicílios no país dos 35 milhões previstos inicialmente.

Como se vê, corremos o risco de grande retrocesso. Após aprovar o Marco Civil da Internet, reconhecido como a legislação mais avançada no tema em todo mundo, podemos vir a abrir o flanco para a implantação em larga escala de um projeto totalmente contrário à neutralidade da rede. A Índia saiu na frente ao barrar esta iniciativa e denunciar publicamente seus malefícios. O Brasil precisa seguir esse exemplo e ir pelo mesmo caminho.

Confira a matéria do coletivo Intervozes: Ministério Público considera projeto Internet.org, do Facebook, ilegal

E mais sobre o tema:

O Facebook quer “privatizar” a internet e o Brasil pode ser um grande aliado

Internet.org is just a Facebook proxy targeting India’s poor

23 Comentários

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23 Respostas para “Internet.org x neutralidade da rede

  1. Reynaldo Carvalho

    Bia, feliz Páscoa para você e sua família.
    Tomara que o governo brasileiro não faça mais essa lambança.
    Me manda seu e-mail que quero te enviar um arquivo com um livro que acho que você ainda não tem disponibilizado aqui.
    Abs
    Reynaldo

    Remix Theory: The Aesthetics of Sampling – Eduardo Navas

    Preliminary Table of Contents:

    Introduction: Remix and Noise

    Chapter One: Remix[ing] Sampling
    Sections: Sampling Defined—From Photography to Remix—The Three Chronological Stages of Mechanical Reproduction—The Four Stages of Remix—Analytics: From Photography to Remix Culture—The Regressive Ideology of Remix

    Chapter Two: Remix[ing] Music
    Sections: A Night at Kadan, San Diego, CA—Dub, B Sides and Their [re]versions in the Threshold of Remix—The Threshold in Dub—Dub: From Acetate to Digital—Subversion and the Threshold—Dub in Hip Hop—Down Tempo and Drum ‘n’ Bass—Analytics: From Reggae to Electronic Dub—Dub ‘n’ Theory—Dub-b-[ing] the Threshold—Dub ‘n’ Remix—Bonus Beats: Remix as Composing

    Chapter Three: Remix[ing] Theory
    Sections: Remix Defined—Allegory in Remix—Analytics: Variations of the Reflexive Remix—The Regenerative Remix—Remix in Art, The Waning of Affect in Remix—Remix in the Culture Industry—Mashups Defined—From Music to Culture to Web 2.0—Web Application Mashups—The Ideology Behind the Reflexive Mashup—Analytics: Mashups, From Music to Software—Sampling and the Reflexive Mashup—Resistance in Remix—Remix in History—Remix in Blogging—Bonus Beats: Remix in Culture

    Chapter Four: Remix[ing] Art
    Sections: A Late Night in Berlin—Remix is Meta—The Role of the Author and the Viewer in Remix—The Role of the Author and the Viewer in Performance and Minimalism—New Media’s Dependence on Collaboration—The Curator as Remixer—Online Practice and Conceptualism—The Regressive Ideology of Remix Part 2—Bonus Beats: The transparency of Remix

    Conclusion: Noise and Remix
    Sections: Periférico, Mexico City—After the Domestication of Noise—Bonus Beats: the Causality of Remix

    • Oi Reynaldo,

      Não tinha visto. Muito bacana! E super interessante essa articulação entre diferentes coletivos da América Latina.

      Vou ver com o pessoal do Next, grupo da Fiocruz do qual faço parte, se mandamos um resumo. Acho que tem a ver.

      Uma excelente notícia nos atuais dias sombrios… Estamos precisando de mais coisas assim.

      Um abraço,

      Bia

  2. Reynaldo Carvalho

    Bia, bom dia.
    Te enviei um e-mail.
    Abs.
    Reynaldo

  3. Reynaldo Carvalho

    E, como sempre, muito bom. Você é mesmo uma excelente IJ.

  4. Reynaldo Carvalho

    Esqueceu?
    DJ, VJ e IJ.

  5. Reynaldo Carvalho

    Esqueceu mesmo … Ideas Jockey.

  6. Reynaldo Carvalho

    Vamos lá: Ideas Jockey (IJ) é o nome do profissional, artista ou intercessor cultural que seleciona e disponibiliza imagens, ideias e música. O termo foi cunhado pelo professor do curso de Comunicação Social, Ronaldo Bispo, que ainda doutorando da Pontífice Universidade Católica de São Paulo, enquanto assistia as aulas de Semiótica, viu a possibilidade de unir filosofia, imagem e música; difundir novas ideias e torná-las mais prazerosas.

  7. Reynaldo Carvalho

    Essa IJ baiana é porreta.

    Abs.

  8. Reynaldo Carvalho

    Bia, boa tarde. Esta semana estou te alugando, não é mesmo?
    Porém, são três boas notícias e outra nem tanto.
    1) Mantive contato com o professor David Gunkel (o português dele é nota 7) e fui informado que ele e uma professora da UFRN estão começando a traduzir para o nosso idioma o livro Of Remixology: Ethics and Aesthetics After Remix (MIT 2016).
    2) Em O Globo de hoje. Embora não seja nem de longe seu livro mais impactante,
    “Crítica: Kenneth Goldsmith, o colecionador de linguagens
    Um dos principais poetas experimentais do mundo tem livro lançado no país
    RIO – O poeta norte-americano Kenneth Goldsmith já se definiu mais de uma vez como um “colecionador de linguagens”. Pensando nas experiências que vem realizando com a escrita nos últimos 20 anos — tendo como marco “Solilóquio” (1996), instalação realizada com tudo o que o poeta disse durante uma semana inteira, e que rendeu a ele uma série de inimizades, embora não registrasse a fala dos interlocutores —, o termo parece se referir a um conjunto de apropriações dos mais variados registros de linguagem que deram origem a livros conceituais e às vezes controversos.

    Em outra experiência que deu o que falar, realizada também em uma galeria de arte, em 2013, o poeta quis imprimir “todo o conteúdo da internet” e chegou a expor dez toneladas de papel, sendo questionado por ecologistas, mesmo após prometer que o material seria reciclado ao fim da exposição. No ano passado, Goldsmith apropriou-se da autópsia de Michael Brown — jovem negro que morreu baleado por um policial, situação que recebeu considerável atenção nos Estados Unidos — para transformá-la em um poema experimental. Lido para um grande público da Universidade de Brown, despertou reações variadas, sobretudo a crítica de que o poeta teria esvaziado politicamente a morte de Michael.
    No caso de “Trânsito”, lançado pela novíssima editora Luna Parque, com “dublagem” de Leonardo Gandolfi e Marília Garcia, não estamos diante do mais controverso dos livros do autor, mas trata-se de livro central para entender as recentes experiências de Goldsmith, e entender também como o poeta agencia a noção de “escrita não criativa”. Não por acaso, “Trânsito” é um dos objetos para o qual a crítica Marjorie Perloff dedica grande atenção em seu elogiado “O gênio não original” (lançado em 2013 pela Editora UFMG), cuja proposta é analisar e sugerir certa mudança de paradigma na poesia moderna: de uma lírica da originalidade, forjada no início do século XIX, para a poesia conceitual e concreta, de procedimentos vanguardistas.
    Publicado originalmente em 2007, “Trânsito” faz parte do que Goldsmith chamou de “Trilogia de Nova York”, composta também por “Weather” e “Sports”, que se apropriam, respectivamente, de boletins meteorológicos e de relatos de uma partida de beisebol. Na versão original de “Trânsito”, o poeta editou 24 horas de boletins de trânsito de uma rádio na véspera de um feriado na cidade, ou seja, quando o tráfego devia estar especialmente caótico, o que confere um humor particular à narrativa. Diferente de outras experiências, Goldsmith não transcreve os boletins na íntegra, mas recorta e eventualmente altera, o que denota certo controle sobre a forma final.

    No Brasil, a versão diminuiu de 144 partes para apenas 21 — no lugar de 24 horas, os organizadores editaram três horas de boletins —, acabando por excluir elementos importantes do projeto inicial, como a impressão repetitiva de morte e tédio, à maneira de Andy Warhol, que só pode ser resultado de uma acumulação radical da linguagem. Quanto pesa a linguagem de um dia inteiro? E de uma semana? Como lidar com essa concretização do efêmero? Ao se definir como um “colecionador de linguagens”, são também essas as perguntas que Goldsmith está nos fazendo.
    Como disse o poeta ao ver a versão de “Traffic” para o português, o livro consiste em um “remix”, já que a edição, além de “compacta e dublada”, foi adaptada ao contexto paulistano — espécie de Pauliceia desvairada do século XXI. Das 16h15m às 19h12m, quando o tráfego chega a 730 quilômetros de congestionamento na capital paulistana, com “destaque para a péssima condição da marginal do rio Tietê”, o leitor acompanha uma série de personagens, relatos irônicos, digressões — no meio da transmissão o apresentador passa a falar sobre os melhores sabores de sorvete — e também dicas de trânsito, pois é esse o propósito dos programas da Rádio SulAmérica Trânsito: “Buscando caminhos para você (…)”.
    Apesar da versão resumida, a iniciativa é inédita no Brasil, já que põe em circulação o texto de um importante poeta sobre quem temos ouvido falar, mas que lemos pouco. Para quem acredita que as suas ideias são mais interessantes e mesmo radicais do que as realizações, “Trânsito” talvez surpreenda como uma leitura, além do mais, também prazerosa.
    Victor da Rosa é crítico literário”
    3) Não sabia, mas para realçar a notícia acima, “O gênio não original” , de Marjorie Perloff foi lançado em 2013, pela Editora UFMG.

    Agora, as notícias não tão boas. Se puder, divulgue:

    http://www.portaldomovimentopopular.com.br/politica/bancada-evangelica-aprova-pec-que-da-a-igreja-poder-de-questionar-supremo/

    http://reporteralagoas.com.br/novo/alagoas-pode-ser-1o-do-pais-a-punir-professores-que-falem-de-religioes-afro-na-escola/

    Como já escreveu Józef Teodor Konrad Nalecz Korzeniowski: “O horror, o horror”.
    Abs.

    • Oi Reynaldo,

      Fique à vontade, esse espaço é mesmo para conversa 😉

      Ainda bem que temos as boas notícias para contrabalançar com as más…

      Bacana a tradução do Kenneth Goldsmith e também a matéria divulgando a obra dele, de alguma maneira.

      E sobre o livro “O gênio não original”, já leu essa resenha aqui? https://escamandro.wordpress.com/2013/10/10/marjorie-perloff-e-o-genio-nao-original/

      Já sobre as más notícias… Não acredito que essa PEC que permitiria o questionamento da igreja ao Supremo seja aprovada, mesmo com todo o crescimento da bancada evangélica. Mas, sem dúvida, é um fantasma que nos assombra no horizonte!

      E decisões como a de Alagoas infelizmente vêm sendo tomadas em diferentes estados. Não me lembro ao certo, mas já li a respeito.

      Tristes tempos… Que São Jorge nos proteja!

      Um abraço,

      Bia

  9. Reynaldo Carvalho

    Obrigado pela resenha. É bom que esses livros estejam sendo divulgados por aqui. É o remix sendo apresentado quando já está meio debilitado. E por falar nisso, você tem certeza que não sumiu nada nesse site? É que procurei aquela mensagem na qual te pergunto sobre o motivo das menções ao termo remix terem diminuído drasticamente e você me informou que era por causa do fortalecimento de coisas tais como Netflix e Spotify, mas não acho a resposta na íntegra em lugar nenhum. Como queria voltar a tocar nesse assunto, gostaria de ver a sua resposta completa. Será que a “aparição” de algo concreto é suficientemente forte para quase “acabar” com uma discussão teórica EM TÃO POUCO TEMPO?
    Seria esse um assunto interessante para um post seu?
    Abs e boa noite.

    • Oi Reynaldo,

      Nossa conversa sobre o “fim” do remix foi por email. Já mandei pra vc.

      Sim, essa questão pode render um post. Ando ocupada esses dias, mas posso escrever mais pra frente.

      Quem sabe você não me ajuda nessa reflexão? Como falei, minha hipótese é que deixou de ser algo tão massivo, mas resiste sim. Seria legal ter exemplos de produção remix expressiva e atual.

      Um abraço,

      Bia

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